Raquel de Queiroz disse, certa vez, que escrever é distração e lazer para aventureiros e poetas de ocasião, mas um duro ofício para literatos, redatores e até plumitivos.
Encaixo-me nesta última categoria. Sou diletante, mas nada tenho de literato.
Em princípio, tudo é válido, quando se pretende transpor para o papel ou tela, alguma ideia, algum sentimento, mesmo que o escriba não tenha grande intimidade com a gramática ou destreza no desenvolvimento de suas impressões, ao aplicá-las e expô-las. Escrever é uma forma de comunicação como várias outras, e deve ser respeitada como tal, sem que haja necessidade de regramento muito rígido, se a iniciativa serve para fins casuais, momentâneos, informais, meramente interativos. Nestes tempos de mídias sociais eletrônicas, estão valendo até os emojis, desenhinhos icônicos, que prescindem de palavras para transmitir mensagem curta ou expressão.
Literatura, porém, é outra história.
Vivemos uma época confusa, em que valores tradicionais estão sendo questionados, e muitas pessoas acreditam que desconsiderar regras é uma espécie de contestação e inovação, dentro do universo literário. Por conta disso, temos a predominância de textos subjetivos, sem formatação, versos brancos, nenhuma métrica, abolição de parágrafos, supressão de acidentes gramaticais, considerados excessivos, e a simplificação da apresentação, que privilegia só o tema, em detrimento do desenvolvimento do conteúdo ou argumento.
Pode parecer que sou exegeta, ao afirmar isso, mas é suposição errônea.
Quando se trata de ler o que um colega escreve, atento, unicamente, ao fulcro de sua mensagem, ao desenho de suas frases, ao arrebatamento que se esconde nas palavras.
Porém, quando sou eu a escrever, o formalismo me incorpora, e mesmo sendo um mero aprendiz sintático, tento harmonizar forma e expressão, do modo mais objetivo que consiga, e, com razoável dificuldade, encaminho a trama dentro de um crescendo de situações, para fazer com que deságue em final compreensível e conexo.
Admiro artistas que desenvolveram expressões diferentes e inovadoras. Posso até não apreciar muito o resultado de algumas obras, que não sintonizem com meu gosto particular, mas não deixo de reconhecer o talento ou o apuro de um artífice. Mesmo quando se trata de trabalho, aparentemente, mais simples, como é o caso de cordel, marionete, artesanato, tendo a admirar mais ainda a performance dos executantes, porque, sob certas condições, precisam se dedicar muito mais, ter muito mais coragem e talento, para fazer algo bom e bonito.
Nesse meio tão diverso e multifacetado, sou mais um escrevinhador sorrateiro, recluso, apartado do burburinho social, espontaneamente. Como dizia seu Antônio, o saudoso Patativa do Assaré: “Vivo de viver, vivendo!” Pode parecer bobaginha poética, mas é minha realidade recorrente, e não posso me atribuir ares de lirista, como ele, de quem só tenho, como alguma semelhança, o pigarro renitente.
Parodiando a Grauna, em conversa com o bode Orelana, vivo no sul maravilha, e não posso negar a beleza de meu recanto doméstico, mas quem empunha a caneta ou o teclado, não se atém às paragens físicas em que seu corpo se situa, vez que a mente vagueia, volita e se espraia pelo orbe, indo de encontro com o que, momentaneamente, pinica a alma.
Escrevinhar, para mim, é um dolorido e doce deleite. Adoro doce de leite!
Nuno Andrada, Santa Catarina, 2019
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