A busca por estabilidade financeira é o grande desafio de milhões de pessoas em todo o mundo, algumas delas muitas vezes abrem mão de sonhos como seguir carreira em determinada profissão, por exemplo, em troca de um trabalho que lhes proporcione melhores salários e que lhes tragam determinadas vantagens como: participação nos lucros, auxílio creche, vale alimentação e plano de saúde. Porém, visando inicialmente os benefícios, muitos profissionais, ao optarem pela carreira nos bancos, acabam marcando um encontro inevitável com doenças graves, físicas e psicológicas, sabendo que a atividade bancária exige esforço contínuo, repetitivo e, na maioria das vezes, sem descanso durante o expediente, tornando-se, assim, escravos de um ofício que outrora era visto como um sonho carregado de direitos.
Continuamente, os bancos em sua totalidade visam lucros, frutos de extremo excesso de trabalho que consiste em metas cada vez mais abusivas, vindas por meio de assédio moral, e o resultado não poderia ser outro senão o desgaste físico e mental que, consequentemente, desencadeia uma série de reações que trazem consigo um conjunto de doenças identificadas como LER/ DORT- Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteo Musculares Relacionados ao Trabalho.
À vista disto, com o bônus vem também o ônus dessa escolha, isso porque o número de trabalhadores bancários acometidos da Lesão Por Esforço Repetitivo (LER) vem aumentando consideravelmente no estado de Alagoas. Segundo o INSS, a LER se enquadra no quesito Acidente de Trabalho, onde a maioria da população associa apenas às construções e canteiros de obras. Porém, muitos funcionários de agências bancárias estão se afastando de suas funções por problemas de saúde causados durante o expediente nas agências.
Caso de LER rendeu processo contra banco privado
Cláudia Duarte (nome fictício), que adquiriu a doença através do trabalho dentro do banco, conta como foi esse processo doloroso e, muitas vezes, humilhante em seu ambiente de trabalho. Ela entrou como estagiária do banco em questão no ano de 2008 e em 2010 foi efetivada como caixa. A partir daí, a funcionária iniciou as atividades repetitivas e sem nenhum planejamento ergonômico, nenhum tipo de atividade física como as ginásticas laborais.
Vale lembrar que tais cuidados das empresas para com seus funcionários é lei, segundo a Portaria 6.514, de 22 de dezembro de 1977, do Ministério do Trabalho, que institui a obrigatoriedade do planejamento ergonômico nas empresas, prevendo multas e outras penalidades em caso de infração. Entretanto, nem todas as empresas cumprem efetivamente com suas obrigações, e foi esse o caso da agência bancária onde Cláudia trabalha até hoje.
Ela conta, ainda, que quando começou a sentir os desconfortos da LER, o banco manteve uma postura indiferente ao seu problema de saúde, chegando, inclusive, a dar entrada num processo junto ao INSS para alterar o código da doença, que era 91 (doença de trabalho) para 31 (problemas de saúde). Essa alteração implicaria no afastamento de Cláudia de suas atividades na agência, sem a estabilidade e sem a segurança de manter seu contrato de trabalho. Segundo a funcionária, tais manobras por parte do banco demonstravam o interesse em demiti-la.
Mesmo com toda a indiferença por parte do banco, Cláudia conseguiu comprovar que adquirira a LER e conseguiu a concessão do benefício junto ao INSS.
A bancária conta que desde o início do problema de saúde já passou por uma série de tratamentos, porém, só obteve melhoras paliativas, convivendo até hoje com dores em diversas partes do corpo. Cláudia passou pela perícia médica do INSS por três vezes, tendo a terceira solicitação do afastamento negada, e retornando às suas atividades no trabalho.
O processo
O caso de Cláudia ainda vai além. Diante da tentativa, por parte do banco de alterar o código de sua doença, ela se viu num quadro de pressão psicológica e abandono por parte da empresa onde trabalha. Por essa razão, decidiu abrir um processo contra o banco por assédio moral, devido à doença causada pela má ergonomia da mobília e também pelas pressões psicológicas e emocionais causadas pela cobrança de metas abusivas. O processo já foi julgado. O juiz condenou o banco a indenizar Claudia, porém, tendo a outra parte o direito de recorrer da decisão, a quantia ainda não foi paga e o processo ainda não foi encerrado.
Com Laura (nome fictício) também não foi diferente
Ela foi atraída a tornar-se bancária pela carreira que poderia construir, além dos benefícios adquiridos como empregada. Entrou na agência bancária em 2011, começou como escriturária e seis meses após foi promovida a caixa. No ano seguinte começou a sentir desconfortos nos ombros, mas não se posicionou. Segundo ela, o banco só soube do problema quando o mesmo se agravou. “No meio do expediente senti uma forte dor e não consegui movimentar o braço. Na emergência, fui encaminhada para um especialista e na mesma época fiz exame periódico, que me declarou inapta para o trabalho. Tive então que me afastar e marcar minha primeira perícia no INSS”, informou Laura.
Desde então, volta e meia a bancária precisa de 10 ou 15 dias de licença. Para ela, a agênca não vê com bons olhos um funcionário que se afasta por problemas de saúde e disse que sentiu nitidamente a mudança de comportamento do seu superior no âmbito de trabalho. “Ele considerou o fato de eu ter me afastado uma falta de comprometimento. Sei que hoje em dia ele vê com outros olhos, mas me senti excluída após me afastar”, conclui a bancária.
Atualmente, o caso de Laura também corre na justiça. Ela está de férias, porém, aguardando demissão. A bancária foi demitida sem justa causa em dezembro de 2015, mas retornou às atividades porque tem estabilidade pela doença ocupacional, o que obrigou o banco a cancelar a exoneração. “Estou apenas aguardando minha estabilidade terminar. Não tenho esperança alguma de que o banco mude de ideia”, enfatiza.
Medidas preventivas
Hoje em dia existem várias alternativas de tratamentos preventivos e paliativos, para evitar afastamentos devido a problemas de saúde, que podem ou não ocorrer no âmbito de trabalho. Fisioterapia e ginástica laboral, também conhecida como fisioterapia do trabalho, são alguns deles. Para o fisioterapeuta Edgard Lupi, mesmo na correria do dia a dia, um profissional que trabalha com movimentos repetitivos diariamente não pode se descuidar com a ergonomia no trabalho. “Atendo diariamente desde uma síndrome do túnel do carpo, por conta do uso excessivo de mouse e teclado, até hérnia discal por conta de passar muito tempo sentado ou pegando muito peso, e a fisioterapia vai trabalhar diretamente com a ergonomia, exercícios e alongamentos, proporcionando a manutenção da saúde dos tecidos, a lubrificação das articulações e a prevenção destas lesões, melhorando a qualidade do trabalho daquele trabalhador”, informou o fisioterapeuta.
O que diz o INSS sobre a LER
Segundo o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS em Alagoas, a LER se encaixa dentro do quadro de Acidente de Trabalho, e o Ministério do Trabalho é o órgão que está responsável por fiscalizar as empresas quanto à prevenção destes eventos. Informou ainda, que só no ano de 2015, no estado, foram concedidos 1.468 benefícios para trabalhadores dentro destas condições, sendo que destes, 212 foram devido a LER, um número considerado baixo, visto que são disponibilizados no INSS 500 mil benefícios por mês. Vale ressaltar que o trabalhador que pretende dar entrada no pedido de afastamento e benefício no INSS por LER, deve se dirigir primeiro ao seu médico, solicitar exames que comprovem a existência da doença e só depois disso ele pode se dirigir ao INSS para marcar a perícia, tendo em mãos todos os exames já realizados anteriormente.
O Sindicato dos bancários
Segundo o diretor médico do sindicato dos bancários em Alagoas, José Marcone, há tempos eles vêm tentando implantar medidas preventivas nas agências. “Temos muito a avançar ainda, anualmente propomos alternativas de tratamentos contra LER/DORT, mas a resistência às nossas propostas ainda é grande,”, diz o diretor. Pelos relatos das personagens é possível compreender a indiferença e omissão das agências diante dos problemas enfrentados pelos profissionais. Segundo a bancária Cláudia Duarte, durante os seis anos em que está efetiva na função de caixa no banco, nunca houve atividade física, ginástica laboral nem qualquer fiscalização na agência. "Sobre ginástica, nunca! Existe também um descanso que a gente tem direito, e NUNCA teve. Não tem como, a gente só pode pensar em puxar fila", finaliza Cláudia.
Nota
Procuramos a assessoria de comunicação do Ministério Público do Trabalho em Alagoas para esclarecer as questões referentes ao cumprimento da obrigatoriedade que as empresas têm em oferecer atividades de prevenção desse tipo de acidente de trabalho, porém, pouco pode ser apurado. O assessor de comunicação do MPT em AL informou apenas que há fiscalizações nas empresas, assim como denúncias que são devidamente verificadas, entretanto, informou que quem está efetivamente responsável por isso é o Ministério do Trabalho e Previdência Social que, por sua vez, não foi capaz de informar os dados solicitados, encaminhando-nos (a assessoria do Órgão) para uma Central de Atendimento, “Alô Trabalho”, pelo número 158, onde, obviamente, não foi possível ter acesso a qualquer informação a cerca de inspeções ou punições das empresas que não cumprem a lei.
Também procuramos as assesssoria das respectivas agências bancárias, mas fomos informadas que não há departamento responsável no Estado para representá-las e que deveríamos contatar as centrais, porém, os casos não seriam analisados de forma específica e sim com dados generalizados.
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